Incapacidade Relativa e Absoluta



 Incapacidade Relativa e Absoluta



Os absolutamente incapazes

O rol taxativo dos absolutamente incapazes, constante no art. 3.º do CC/2002, sempre envolveu situações em que proibição total para o exercício de direitos por parte da pessoa natural, o que pode acarretar, ocorrendo violação à regra, a nulidade absoluta do negócio jurídico eventualmente celebrado, conforme o art. 166, inc. I, do mesmo diploma.
Os  absolutamente  incapazes  possuem  direitos,  porém  não  podem  exercê-los  pessoalmente,  devendo  ser representados. Em outras palavras, têm capacidade de direito, mas não capacidade de fato ou de exercício.
O Código Civil de 2002 previa expressamente, como absolutamente incapazes, três personagens jurídicos no seu art.

3.º.


O inciso I mencionava os menores de dezesseis anos, tidos como menores impúberes. O inciso II do art. 3.º expressava

os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem o necessário discernimento para a prática desses atos. Por fim, no inciso III havia a previsão dos que, mesmo por causa transitória, não pudessem exprimir sua vontade.
Como visto, a norma foi substancialmente alterada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que revogou os três incisos do art. 3.º do Código Civil. Também foi alterado o caput do comando, passando a estabelecer que “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos”. Podemos dizer, de

imediato, que houve uma verdadeira revolução na teoria das incapacidades, praticada pelo citado Estatuto.
Em suma,  não existe  mais  no sistema  privado  brasileiro  pessoa  absolutamente  incapaz  que seja maior  de idade. Ademais, como consequência, não que se falar mais em ação de interdição absoluta no nosso sistema civil. Todas as pessoas  com deficiência  que eram  tratadas  no comando  anterior  passam  a ser, em regra,  plenamente  capazes  para o Direito Civil, o que visa a sua total inclusão social, em prol de sua dignidade. Valorizando-se a dignidade-liberdade, deixa- se de lado a dignidade-vulnerabilidade.
Eventualmente, as pessoas com deficiência podem ser tidas como relativamente incapazes, em algum enquadramento do  art.  4.º  do  Código  Civil,  também  ora  alterado.  E  mesmo  em  casos  tais,  não  haveria  propriamente  uma  ação  de interdição, mas uma ação de instituição de curatela ou de nomeação de um curador, diante da redação dada ao art. 1.768 do Código Civil pelo mesmo Estatuto.
Todavia, cabe frisar que o Novo Código de Processo Civil revoga expressamente esse artigo do CC/2002 e trata do processo de interdição (art. 747), havendo a necessidade de edição de uma norma para deixar claro tal questão. Em outras palavras, será necessária uma nova lei para definir se ainda é cabível a ação de interdição ou se somente será possível uma ação com nomeação de curador.
Frise-se  que  está  em  trâmite  no  Senado  Federal  o  Projeto  757/2015,  com  o  objetivo  de  esclarecer  essa  questão. Conforme  parecer  dado  por  este  autor,  seria  melhor  que  fossem  retiradas  todas  as  menções  à  “ação  de  interdição” constantes do Novo CPC, passando este a expressar apenas a ação de nomeação de curador ou, ainda, medida de amparo curatelar. A expressão a ser usada deve ser definida quando do trâmite da proposição legislativa.
Em complemento, merece destaque o art. 6.º da Lei 13.146/2015, segundo o qual a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: a) casar-se e constituir união estável; b) exercer direitos sexuais e reprodutivos; c) exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; d) conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; e) exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e f) exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando,  em igualdade  de oportunidades  com as demais  pessoas.  Em suma,  no plano  familiar  e existencial   uma inclusão plena das pessoas com deficiência.
O art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, também em prol da inclusão com a dignidade-liberdade,  estabelece que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. Eventualmente, quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. Ademais, é facultada à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.
Essa tomada  de decisão  apoiada  passou  a constar  também  do emergente  art. 1.783-A  da codificação  material.  A categoria  visa o auxílio da pessoa com deficiência  para a celebração  de atos mais complexos,  caso dos contratos.  Nos termos da norma, essa tomada de decisão apoiada é o processo judicial pelo qual a pessoa com deficiência  elege pelo menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.
A categoria é próxima da administração de sustento do Direito Italiano (amministrazione di sostegno), introduzida naquele sistema por força da Lei 6, de 9 de janeiro de 2004. Nos termos do seu art. 1.º, a finalidade da norma é a de tutelar, com a menor limitação possível da capacidade de agir, a pessoa privada no todo ou em parte da autonomia na realização das funções da vida cotidiana, mediante intervenções de sustento temporário ou permanente. Foram incluídas, nesse contexto,  modificações  no  Codice  Italiano,  passando  a  prever  o  seu  art.  404  que  a  pessoa  que,  por  efeito  de  uma enfermidade  ou de um prejuízo físico ou psíquico, encontrar-se  na impossibilidade,  mesmo parcial ou temporária,  de prover os próprios interesses pode ser assistida por um administrador de sustento, nomeado pelo juiz do lugar de sua residência  ou  domicílio.  Como  exemplifica  a  doutrina  italiana,  citando  julgados  daquele  País,  a  categoria  pode  ser utilizada em benefício do doente terminal, do cego e do portador do mal de Alzheimer (CHINÉ, Giuseppe; FRATINI, Marco; ZOPPINI, Andrea. Manuale…, 2013, p. 132-133).
A  este  autor  parece  que  a  tomada  de  decisão  apoiada  tem  a  função  de  trazer  acréscimos  ao  antigo  regime  de incapacidades dos maiores, sustentando pela representação, pela assistência e pela curatela. O tema está aprofundado no Volume 5 desta coleção de Direito Civil.
Ainda nos termos do art. 84 da Lei 13.146/2015, a definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

Por fim, o mesmo preceito enuncia que os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano.
A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, conforme o art. 85 do Estatuto. A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto, o que também é retirado do art. 6.º da mesma norma, ora citado. Em outras palavras, podem existir limitações para os atos patrimoniais e não para os existenciais, que visam a promoção da pessoa humana.
Além  disso,  está  previsto  no diploma  citado  que  a curatela  constitui  medida  extraordinária,  devendo  constar  da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado. Assim, constata-se que, para que a curatela  esteja  presente,   necessidade  de sua instituição  por  processo  judicial,  com  enquadramento  em uma  das hipóteses do novo art. 4.º do CC. No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado.
Feitas tais considerações gerais a respeito da nova lei, quanto aos menores de 16 anos, é levado em conta o critério etário, devendo esses menores ser representados por seus pais ou, na falta deles, por tutores nomeados. Aqui não houve qualquer  inovação  com  a codificação  material  emergente  em 2002,  frente  ao CC/1916,  entendendo  o legislador  que, devido a essa idade, a pessoa ainda não atingiu o discernimento para distinguir o que pode ou não pode fazer na ordem privada. Também não houve modificação material com a emergência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, havendo apenas uma alteração de previsão legislativa, do inciso I, ora revogado, para o caput do art. 3.º.
Eventualmente, o ato praticado pelo menor absolutamente incapaz pode gerar efeitos. Esse é o teor do Enunciado n.
138 do CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito Civil: “A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3.º, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento suficiente para tanto”. Pelo enunciado doutrinário, um contrato celebrado por menor impúbere, de compra de um determinado bem de consumo, pode ser reputado válido, principalmente se houver boa-fé dos envolvidos.
Além disso, a vontade dos menores nessas condições é relevante para os casos envolvendo a adoção e a guarda de filhos, devendo eles opinar. Especificamente no tocante à adoção da pessoa com idade superior a doze anos, esta deverá manifestar sua concordância, conforme o art. 45, § 2.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).
A respeito do antigo inciso II do art. 3.º do Código Civil, o comando tratava das pessoas que tivessem doença ou deficiência  mental,  congênita  ou  adquirida  em  vida  de  caráter  duradouro  e  permanente,  e  que  não  estivessem  em condições de administrar seus bens ou praticar atos jurídicos de qualquer espécie. A norma expressava “pessoas que, por enfermidade  ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento  para a prática desses atos”. Por oportuno, nosso ordenamento  nunca admitiu os chamados  intervalos lúcidos,  pelo fato de a incapacidade  mental estar revestida desse caráter permanente.
Para que fosse declarada a incapacidade absoluta, em casos tais, seria necessário um processo próprio de interdição de natureza declaratória e cuja sentença deveria ser registrada no Registro Civil da Comarca em que residisse o interdito –, previsto entre os arts. 747 a 758 do CPC/2015; correspondentes aos arts. 1.177 e 1.186 do CPC/1973.
Repise-se que, pelo Estatuto, não mais a possibilidade dessa interdição absoluta, mas apenas da instituição de uma curatela em caso da incapacidade relativa, surgindo ainda no sistema a figura da tomada de decisão apoiada, que deve ser a regra. Todavia, repise-se que o Novo CPC continua tratando do processo de interdição, havendo a necessidade de uma nova norma para apontar qual das duas regras prevalecerá, se a do Estatuto da Pessoa com Deficiência ou do Novo CPC. A questão tende a ser resolvida pelo citado Projeto de Lei 757/2015.
Anote-se, a propósito, que a velhice ou senilidade, por si só, nunca foi tida como causa de restrição da capacidade de fato, podendo ocorrer interdição anterior em hipótese na qual a senectude se originasse de um estado patológico (a esse respeito,  da  jurisprudência  anterior:  TJMG,  Acórdão  1.0701.00.006030-4/001,   Uberaba,  2.ª  Câmara  Cível,  Rel.  Des. Francisco de Assis Figueiredo, j. 1.º.06.2004, DJMG 25.06.2004).
Por isso, sempre foi correto afirmar que a incapacidade por deficiência mental não se presumiria. A situação da pessoa com idade avançada continua a ser, em regra, de capacidade. Todavia, como se verá, tais pessoas podem ser tidas como relativamente incapazes, enquadradas no novo art. 4.º, III, do Código Civil, também alterado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).
O legislador  da atual codificação  material,  em sua redação  original,  entendeu  que a expressão  loucos  de todos  os

gêneros, contida no Código de 1916, era discriminatória e violadora da dignidade humana, razão dessa alteração anterior constante  no art. 3.º, II, do CC. Entretanto,  compreendia-se  que as duas expressões  exprimiam  basicamente  a mesma situação. Com as alterações recentes do Código Civil, essa afirmação não se sustenta mais.
Seguindo no estudo do tema, o art. 3.º, III, do Código Civil de 2002, em sua previsão anterior, trazia uma expressão ampla, que aumentava as hipóteses de incapacidade absoluta (pessoas que, mesmo por causa transitória, não pudessem exprimir vontade).
Sempre entendemos que tal previsão incluiria também o surdo-mudo que não pudesse manifestar sua vontade, que constava na codificação anterior, de 1916. Todavia, se o surdo-mudo pudesse exprimir sua vontade, seria considerado relativamente incapaz ou até plenamente capaz, dependendo do grau de possibilidade de sua expressão.
Essa afirmação pode ser mantida em parte com as mudanças de 2015, até porque essa antiga previsão do Código Civil de 2002 passou a compor o art. 4.º, III, da norma material. Todavia, o surdo-mudo, pessoa com deficiência, deve ser tido, em regra, como capaz. Eventualmente, caso não possa exprimir sua vontade, será relativamente incapaz. Não caberá mais o seu enquadramento como absolutamente incapaz, em hipótese alguma, sendo essa a principal alteração engendrada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência a respeito do surdo-mudo.
Entendemos que a hipótese que constava do art. 3.º, III, incluiria ainda pessoas que perderam a memória, bem como aqueles que estivessem em coma, sujeitos que passam a ser relativamente incapazes, caso seja o seu reconhecimento (novo art. 4.º, III, estudado a seguir).
Apesar dessa afirmação, fica a dúvida se não seria interessante retomar alguma previsão a respeito de maiores absolutamente incapazes, especialmente para as pessoas que não têm qualquer condição de exprimir vontade e que não são necessariamente pessoas deficientes. Este autor entende que sim, havendo proposição nesse sentido no citado Projeto de Lei 757/2015, com o nosso apoio. Cite-se, a esse propósito, justamente a pessoa que se encontra em coma profundo, sem qualquer condição de exprimir o que pensa. No atual sistema, será enquadrada como relativamente incapaz, o que parece não ter sentido técnico-jurídico.
Quanto aos ébrios habituais e os viciados em tóxicos, será visto que são considerados relativamente incapazes. Dependendo da sua situação, afirmávamos, nas edições anteriores deste livro, que poderiam ser tidos como absolutamente incapazes. Agora, após a Lei 13.146/2015,  serão somente relativamente  incapazes se houver alguma restrição, pois não existem mais no sistema pessoas maiores que sejam absolutamente incapazes.
Atualizada a obra, interessante, outrossim, verificar que não deve mais ser considerado incapaz, desde a emergência do  Código  Civil  de  2002,  o ausente,  como  fazia  a codificação  anterior.  Não   incapacidade  por  ausência,  mas  sim verdadeira inexistência da pessoa natural, por morte presumida. Conforme lembram Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho havia um grande equívoco na codificação anterior, eis que não existia incapacidade por ausência, mas sim uma premência  em proteger os interesses  do ausente, devido à sua impossibilidade  material de cuidar de seus bens e interesses e à incompatibilidade  jurídica de conciliar o abandono do domicílio com a conservação de direitos (Novo…,
2003,v.I,p.135).
Superada   a  análise   das  hipóteses   de  incapacidade   absoluta,   devidamente   atualizadas,   parte-se   ao  estudo  da incapacidade relativa.


3.1.2

Os relativamente incapazes


Confrontada com a incapacidade absoluta, a incapacidade relativa diz respeito àqueles que podem praticar os atos da vida civil, desde que haja assistência. O efeito da violação desta norma é gerar a anulabilidade  ou nulidade relativa do negócio jurídico celebrado, isso dependente de eventual iniciativa do lesado (art. 171, inc. I, do CC). Em havendo incapacidade relativa, o negócio somente será anulado se proposta ação pelo interessado no prazo de 4 (quatro) anos, contados de quando cessar a incapacidade (art. 178 do CC).
O art. 4.º do Código Civil, assim como o seu preceito antecessor, também foi alterado pela Lei 13.146/2015. Ainda existe a previsão de quatro personagens jurídicos como relativamente incapazes. Todavia, o dispositivo foi modificado, conforme a tabela comparativa a seguir.



Art. 4.º do CC. Redação original

“Art. 4.º São incapazes,  relativamente  a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III      os   excepcionais,    sem   desenvolvimento    mental completo;
IV os pródigos”.

Art. 4.º do CC.
Redação após a Lei 13.146/2015
 
 
“Art. 4.º São incapazes,  relativamente  a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV os pródigos”.



Como se pode perceber, não houve alteração no inciso I (menores entre 16 e 18 anos) e no inciso IV (pródigos). Todavia, no inciso II foi retirada a menção aos que por deficiência mental tivessem o discernimento reduzido. No inciso III, não  se  usa  o  termo  excepcionais  sem  desenvolvimento  completo,  substituído  pela  antiga  previsão  do  art.  3.º,  III,  da codificação (pessoas que por causa transitória ou definitiva não puderem exprimir vontade). O objetivo, mais uma vez, foi a plena inclusão das pessoas com deficiência, tidas como capazes no sistema e eventualmente sujeitas à tomada de decisão apoiada. Vejamos o estudo pontual dos incisos, devidamente atualizados.
A respeito do inciso I, que menciona os menores, percebeu-se que a alteração substancial trazida pela codificação de
2002 foi a de reduzir a idade para se atingir a maioridade civil, de 21 para 18 anos. Levando-se em conta a idade etária, esses menores são denominados menores púberes e somente poderão praticar certos atos se assistidos.
No entanto, atos que os menores relativamente incapazes podem praticar, mesmo sem a assistência, como se casar, necessitando apenas de autorização dos pais ou representantes; elaborar testamento; servir como testemunha de atos e negócios jurídicos; requerer registro de seu nascimento; ser empresário, com autorização; ser eleitor; ser mandatário ad negotia (mandato extrajudicial).
Mais  à  frente  serão  estudados   os  casos  de  emancipação,   situações  em  que  a  capacidade   é  antecipada.   Em complemento,  quanto  aos  menores  púberes,  vale  citar  dois  dispositivos  do  Código  Civil  de  grande  importância.  O primeiro é o art. 180, pelo qual “o menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior”. O outro é o art. 181 do CC/2002, in verbis: “ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga”.
O inciso II do art. 4.º do CC/2002  previa três hipóteses,  tendo sido retirada  a última delas pela Lei 13.146/2015, relativa às pessoas com deficiência mental, conforme ora comentado. Permaneceram as menções aos ébrios habituais (entendidos como alcoólatras) e aos viciados em tóxicos (toxicômanos) como relativamente incapazes.
De toda sorte, essa previsão constituiu novidade importante  diante da sua antecessora,  pela qual se ampliaram  os casos de incapacidade relativa decorrente de causa permanente ou transitória. Aqui também deverá haver um processo próprio para a instituição  da curatela (pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência)  ou de interdição  relativa (pelo Novo CPC), nessas hipóteses restantes (ébrios habituais e viciados em tóxicos), cabendo análise caso a caso da situação de incapacidade,  se presente  ou não. Mais uma vez, reafirme-se  que o Projeto de Lei 757, em curso no Senado Federal, pretende esclarecer qual ação judicial é cabível.
A respeito da situação do ébrio habitual, ilustre-se com decisão anterior do Tribunal de Minas Gerais, ainda mencionando o processo de interdição:

“Incapacidade relativa. Necessidade de comprovação da embriaguez habitual do vendedor. Desnecessidade de registro da promessa de compra e venda. Testemunhas não presentes quando da assinatura do contrato. Irrelevância. Acusações levianas. Dano moral configurado. A amizade da testemunha com a parte somente a torna suspeita para depor se se tratar de amizade íntima, entendida como aquela muito próxima, com laços de afinidade profundos. O vício de consumo de álcool implica incapacidade relativa da pessoa se a transforma  em  ébrio  habitual,  aquele  que,  pelo  uso  constante  da  bebida,  tem  seu  discernimento  permanentemente  afetado  pela embriaguez.  Incomprovada  a embriaguez  habitual  da pessoa  e inexistindo  interdição  judicial,  não se configura  incapacidade.  (…). Agravo retido e apelação não providos” (TJMG, Apelação Cível 0540383-93.2008.8.13.0470,  Paracatu, 10.ª Câmara Cível, Rel. Des. Mota e Silva, j. 26.10.2010, DJEMG 17.11.2010).

A propósito, enunciava o art. 1.772 do CC/2002 que, pronunciada a interdição das pessoas descritas no art. 4.º, II e III, o juiz assinaria, segundo o estado ou o desenvolvimento  mental do interdito, os limites da curatela do maior incapaz. Todavia, ressalte-se que tal dispositivo foi revogado expressamente pelo art. 1.072, inciso II, do Novo CPC; com o objetivo

de concentrar  o tema no diploma instrumental.  Assim, em sentido próximo,  o art. 753, § 2.º, do CPC/2015  passou a expressar que “O laudo pericial indicará especificadamente, se for o caso, os atos para os quais haverá necessidade de curatela”.
Curiosamente, a Lei 13.146/2015 também alterou o art. 1.772 do Código Civil, passando a estabelecer que “O juiz determinará,  segundo as potencialidades  da pessoa, os limites da curatela, circunscritos  às restrições constantes do art.
1.782, e indicará curador. Parágrafo único. Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando,  a  ausência  de  conflito  de  interesses  e  de  influência  indevida,  a  proporcionalidade  e  a  adequação  às circunstâncias da pessoa.” A principal novidade diz respeito à inclusão do parágrafo único, que vinha em boa hora, dando preferência à vontade da pessoa com deficiência.
Todavia, como o art. 1.772 do CC/2002, mesmo com a modificação, foi revogado pelo Novo CPC, esta última norma teve vigência apenas no período compreendido entre a sua entrada em vigor (início de janeiro de 2016) e a entrada em vigor do Novo CPC (18 de março de 2016). Na opinião deste autor, parece ter havido mais um cochilo do legislador, que acabou por atropelar uma lei por outra, sem as devidas ressalvas. Mais uma vez, esperamos que essas imprecisões sejam corrigidas no futuro, com a edição de uma nova norma, originária do Projeto de Lei 757/2015, para resolver esse conflito.
O art. 4.º, III, do CC/2002 ao mencionar anteriormente os excepcionais, sem desenvolvimento completo, abrangia os portadores   de   síndrome   de   Down,   e   outros   portadores   de   anomalias   psíquicas   que   apresentassem   sinais   de desenvolvimento mental incompleto. Sempre compreendemos que não havia a necessidade dessa previsão, eis que o inciso anterior tratava das pessoas com deficiência mental. A qualificação que constava nesse dispositivo dependia de regular processo de interdição anterior, podendo o excepcional ser também enquadrado como absolutamente incapaz (TJSP, Apelação  com  revisão  577.725.4/7,  Acórdão  3310051,  Limeira,  2.ª  Câmara  de  Direito  Privado,  Rel.  Des.  Morato  de Andrade, j. 21.10.2008, DJESP 10.12.2008).
Destaque-se  que o portador  da síndrome de Down poderia  ser ainda plenamente  capaz, o que dependeria  da sua situação. Com as mudanças promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, será plenamente capaz, em regra. Eventualmente,  para  os atos  patrimoniais,  poderá  ser  necessária  uma  tomada  de decisão  apoiada,  por  sua  iniciativa. Somente em casos excepcionais poderá ser considerado como relativamente incapaz, enquadrado como pessoa que, por causa transitória ou definitiva, não pode exprimir vontade (novo art. 4.º, inc. III, do CC/2002). Os dois últimos caminhos não prejudicam a sua plena capacidade para os atos existenciais familiares, retirada do art. 6.º do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
No que diz respeito aos surdos-mudos que não receberam educação adequada para a comunicação, e que consequentemente  não  podem  exprimir  sua  vontade  com  exatidão,  poderiam  ser  tidos  também  como  relativamente incapazes  (art. 4.º, III, do CC/2002,  na dicção  anterior),  tese anteriormente  defendida  por Carlos  Roberto  Gonçalves (Direito civil brasileiro…, 2003, v. I, p. 93).
Dependendo  do  caso  concreto,  haveria  também  como  enquadrá-los  como  pessoas  com  discernimento  mental reduzido, sendo esta, para o presente autor, a melhor opção de enquadramento  anterior (art. 4.º, II, do CC; na redação original).
No novo sistema, repise-se que o art. 4.º, III, do Código Civil passou a tratar da antiga hipótese que estava no art. 3.º, III, da própria codificação,  mencionando  aqueles que, por causa transitória  ou permanente,  não possam exprimir sua vontade.  Valem os comentários  que fizemos anteriormente  sobre esse novo enquadramento,  especialmente  quanto ao surdo-mudo que não possa se expressar e à pessoa em coma, que agora passam a ser relativamente incapazes dentro do sistema. Aqui também pode ser enquadrada a pessoa com idade avançada que não possa exprimir o que pensa, caso do portador do mal de Alzheimer. Reafirmamos as nossas críticas, no sentido de ser necessário voltar a uma previsão sobre maiores  absolutamente  incapazes  que não têm condição  alguma  de exprimir  vontade,  como  almeja  o Projeto  de Lei
757/2015, em trâmite no Senado Federal.
Sem qualquer modificação, o inciso IV do art. 4.º do Código Civil continua a tratar dos pródigos, que são aquelas pessoas que dissipam de forma desordenada e desregrada os seus bens ou seu patrimônio, realizando gastos desnecessários e excessivos, sendo seu exemplo típico a pessoa viciada em jogatinas.
Os pródigos deveriam ser interditados, com a nomeação de um curador, ficando privados dos atos que possam comprometer o seu patrimônio, tais como emprestar dinheiro, transigir, dar quitação, alienar bens, hipotecar ou agir em juízo (art. 1.782 do CC).
Com a mudança  do art. 1.768 do Código Civil, repise-se  que não se pode mais falar em interdição,  mas em um

processo que institui a curatela. Todavia, mais uma vez, o Novo CPC revoga esse artigo do Código Civil, tratando do processo de interdição. Reafirma-se que haverá necessidade da edição de uma nova norma, para apontar se a interdição relativa é ainda possível ou não no sistema. O PL 757/2015 pretende resolver tal problema.
Contudo,  continua  vigente a afirmação  de que poderá o pródigo  exercer atos que não envolvam  a administração direta de seus bens, como se casar ou exercer profissão. Ao contrário do que se possa pensar, não é imposto ao pródigo que se casa o regime da separação total de bens de origem legal ou obrigatória, pois ele não consta no art. 1.641 do CC, que traz rol taxativo ou numerus clausus de hipóteses que restringem a liberdade da pessoa.
Para encerrar  o estudo da teoria das incapacidades,  sobre os índios ou silvícolas,  o Código  Civil de 2002 não os considera mais como incapazes, devendo a questão ser regida por lei especial (art. 4.º, parágrafo único, do CC atual). A Lei
6.001/1973 (Estatuto do Índio) coloca o silvícola e sua comunidade, enquanto não integrados à comunhão nacional, sob o regime tutelar, devendo a assistência ser exercida pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio). De acordo com os ensinamentos de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “a constante inserção social do índio na sociedade brasileira, com a consequente absorção de valores e hábitos (nem sempre sadios) da civilização ocidental, justifica a sua exclusão, no novo Código Civil, do rol de agentes relativamente incapazes” (Novo…, 2003, v. I, p. 105). Aqui não houve qualquer alteração recente, em especial pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.



Trecho retirado do livro curso de direito civil de Flávio Tartuce


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