DOMICÍLIO DA PESSOA NATURAL
As regras quanto ao domicílio
da pessoa natural constam entre os arts. 70 a 78 do CC. O tema traz algumas
confusões, sendo necessários esclarecimentos conceituais.
Inicialmente o domicílio
pode ser definido
como o local em que a pessoa pode ser sujeito de direitos e deveres na ordem privada,
definindo Maria Helena Diniz como sendo “a sede jurídica
da pessoa, onde ela se presume presente
para efeitos de direito e onde exerce ou pratica, habitualmente, seus atos e negócios jurídicos”
(Código Civil anotado…, 2005, p.
106).
A concepção do domicílio, dessa forma, relaciona-se com outros conceitos, como o de residência e de moradia
(este último também
conceituado como habitação). O domicílio, em regra, é o local em que a pessoa
se situa, permanecendo a maior parte do tempo com ânimo definitivo. Por regra, pelo que consta do art. 70 do CC, o domicílio da pessoa natural é
o local de sua residência. No domicílio há dois elementos: um subjetivo, formado
pelo ânimo
de permanência; e outro objetivo, constituído pelo estabelecimento da pessoa.
Por outra via, a habitação ou moradia é o local
em que a pessoa é eventualmente encontrada, não correspondendo sempre à sua residência ou domicílio. A título de exemplo, um turista a passeio
no Brasil não tem aqui o
seu domicílio ou residência, mas apenas uma moradia provisória, tendo em vista a sua breve partida.
Não há o elemento subjetivo, o que afasta
a caracterização como residência. Aliás, o domicílio
de uma pessoa que não tenha residência física (um circense,
um cigano, um peregrino, um nômade) é o local em que ela for encontrada, ou seja, o local de sua habitação
ou moradia (art.
73 do CC).
Eventualmente, de acordo com o art. 71 do Código Civil em vigor, a
pessoa pode possuir dois ou mais locais de residência, onde alternadamente viva, considerando-se seu domicílio qualquer um desses locais.
O Código de Processo Civil tem regra que mantém estreita
ligação com tal preceito. De início, previa o CPC/1973,
no seu art. 94, § 1.º, que “tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles”.
A regra foi repetida pelo art. 46, § 1.º, do CPC/2015, sem qualquer alteração.
Conforme será visto,
o elemento residência é primordial para a caracterização do bem de família legal,
previsto pela Lei
8.009/1990, sendo certo que é impenhorável o único imóvel,
urbano ou rural,
utilizado como residência da entidade familiar (art. 1.º da referida lei). Como exceção,
havendo dois imóveis
utilizados para residência, à luz do que consta
no art. 71 da codificação material, estará protegido
o de menor valor (art. 5.º, parágrafo
único, da Lei 8.009/1990).
Para Cristiano Chaves
de Farias e Nelson Rosenvald, não se pode desassociar o domicílio da questão da dignidade da pessoa humana,
eis que “na visão civil-constitucional, reforça-se a grande importância do domicílio em face da grande ameaça da vida ‘tornar-se
pública’, passando a casa a
representar o ‘refúgio dos refúgios’, acobertada
pela inarredável característica da inviolabilidade, tornando-se uma ‘fortaleza da privacy’, verdadeiro templo das coisas
íntimas” (Direito Civil. Teoria Geral…, 2006, p. 213). Concorda-se com suas palavras, sendo pertinente lembrar
a proteção da intimidade, que consta do art. 21 do CC. Por certo que o domicílio inclui também o endereço eletrônico, o e-mail,
que, do mesmo modo, merece ampla proteção,
inclusive como um direito de personalidade.
A pluralidade domiciliar também está reconhecida pelo que consta
no art. 72 do CC, pois o local em que a pessoa exerce a sua profissão também
deve ser tido como seu
domicílio (domicílio profissional). Se a pessoa
exercitar
a sua profissão em vários locais,
todos também serão
tidos como domicílios, o que amplia mais ainda as possibilidades antes vistas.
De acordo com essa inovação, e porque a grande maioria
das pessoas tem uma residência e outro local onde exerce sua profissão
ou trabalha, em regra, a pessoa tem dois domicílios
e não somente um como outrora, interpretação essa que era retirada do que constava
no Código Civil de 1916.
Segundo o art. 74, caput,
do atual Código Civil, cessando
os elementos objetivo
e subjetivo do domicílio, ocorre
a sua
residência, com a intenção manifesta de o mudar”. A prova dessa intenção será feita
pelas
declarações
da pessoa às
municipalidades dos lugares que deixa ou para onde vai, ou, se
tais declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem (art. 74, parágrafo
único, do CC). Exemplificando, a alteração de domicílio eleitoral,
como regra, vale como prova.
Acredita-se que o parágrafo único do art. 74 traz uma presunção
legal iuris tantum, aquela que eventualmente admite prova em contrário por outros meios.
Finalizando o presente
tópico, quanto à origem, é interessante
vislumbrar a seguinte classificação do domicílio da pessoa
natural:
a) Domicílio voluntário: é aquele fixado
pela vontade da pessoa, como exercício da autonomia privada, tendo em vista as
regras anteriormente estudadas.
b) Domicílio necessário ou legal: é o imposto
pela lei, a partir de regras específicas que constam no art. 76 do Código Civil.
Deve ficar claro
que o domicílio necessário não exclui o voluntário, sendo as suas hipóteses de
imposição normativa:
– o domicílio dos absolutamente e
relativamente incapazes (arts. 3.º e 4.º do CC) é o mesmo dos seus
representantes;
– o domicílio
do servidor público
ou funcionário público
é o local em que exercer, com caráter permanente, as suas funções;
– o domicílio
do militar é o do quartel onde servir ou do comando
a que se encontrar subordinado (sendo da Marinha
ou da Aeronáutica);
– o domicílio do marítimo ou marinheiro é
o do local em que o navio estiver matriculado;
– o domicílio do preso é o
local em que cumpre a sua pena.
c) Domicílio contratual ou convencional: é aquele previsto
no art. 78 do CC, pelo qual, “nos contratos
escritos, poderão os contratantes especificar o domicílio
onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”. A
fixação desse domicílio para um negócio jurídico acaba repercutindo para a
questão do foro competente para apreciar eventual discussão do contrato, razão
pela qual se denomina tal previsão como cláusula
de eleição de foro.
Relativamente à cláusula de eleição de foro, muito comum nos contratos bancários e de natureza
financeira, algumas palavras devem ser ditas.
No caso de contratos de consumo, sendo reconhecido o direito dos consumidores
proporem ações de responsabilidade civil ou de outra natureza
(conforme jurisprudência) em seu domicílio,
nos termos do art. 101, I,
da Lei 8.078/1990, não vale previsão em contrário inserida na dita cláusula, que deve ser tida como cláusula abusiva, nos termos
do art. 51, IV e XV, do mesmo CDC.
Ao lado dessa previsão, há muito tempo se discutia
na jurisprudência a validade da cláusula de eleição de foro quando se tratasse
de um contrato de adesão que não assumia a forma de contrato de consumo. Anote-se
que o contrato de adesão é aquele que tem o conteúdo
imposto unilateralmente por uma das partes, conceito
que não se confunde necessariamente
com o contrato de consumo,
cuja construção é retirada dos arts. 2.º e 3.º da Lei 8.078/1990.
Com todo o respeito que merecia eventual
posicionamento ao contrário,
sempre entendemos que a cláusula de eleição de foro não teria aplicação quando o contrato
assumisse esta natureza,
renunciando eventual aderente
e devedor ao direito de
demandar ou ser demandado no seu domicílio.
Primeiro, porque é direito reconhecido ao devedor a possibilidade
de ser demandado
no foro do seu domicílio, segundo o art. 94 do CPC/1973,
repetido pelo art. 46 do CPC/2015. Segundo,
porque a obrigação, regra geral, deve ser cumprida no domicílio do devedor, tendo natureza quesível
ou quérable, conforme o art. 327 do CC/2002,
salvo previsão em contrário em contrato paritário. Haveria, portanto, renúncia
a direito inerente ao negócio em casos tais, o
que levaria à nulidade de tais cláusulas, inseridas
nos contratos de adesão,
nos termos do art. 424 do CC (“Nos contratos
de adesão, são nulas as cláusulas
que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”).
Ora, é direito
inerente à condição
de devedor a possibilidade de o aderente
responder, quando assumir
esta posição obrigacional, no foro do seu domicílio. Dessa forma, sempre
entendemos que não poderia prevalecer a cláusula pactuada.
Da jurisprudência estadual, concluindo da mesma forma, transcreve-se:
“Foro de eleição. Demanda
objetivando a revisão de contrato
bancário proposta no Juízo do principal estabelecimento do banco réu, em
São
Paulo, Capital. Relação
de consumo
caracterizada. Aplicação, no caso,
do princípio da facilitação do consumidor.
Desconsideração da cláusula de eleição de foro estabelecido
em
contrato
de
adesão,
padrão,
impresso.
Exceção
de
incompetência rejeitada. Recurso
provido” (1.º TACSP, AI 1.160.771-5-SP, Rel. Juiz Oséias Viana, j. 26.02.2003, Boletim AASP n. 2.365, 3 a 9 de maio de
2004, p. 861).
no CPC/1973,
pelo qual a nulidade da cláusula de eleição de foro em contrato de adesão poderia
ser conhecida de ofício pelo
juiz, que declinaria de competência para o domicílio
do réu.
O dispositivo trazia como conteúdo
a eficácia interna da função social
dos contratos, entre as partes contratantes (art.
421 do CC e Enunciado n. 360 da IV Jornada de Direito Civil), em prol da parte vulnerável da relação contratual, ou seja, do aderente. Por essa proteção,
dando efetividade ao princípio em questão, a alteração legislativa era louvável.
O Novo CPC repetiu a regra, mas com algumas
alterações substanciais, em claro retrocesso, na opinião deste
autor. Conforme o seu art. 63, caput, as partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda
de
direitos
e
obrigações.
Esse
preceito
equivale,
em
parte,
ao
art.
111,
caput, do
CPC/1973.
Ademais, conforme o § 1.º
do art. 63 do Novo CPC, a eleição
de foro só produz efeito quando constar de instrumento
escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico.
Corresponde a regra ao antigo art. 111, § 1.º, do CPC
revogado.
O foro contratual obriga os herdeiros
e sucessores das partes (art. 63, § 2.º, do CPC/2015, repetição do art. 111, § 2.º, do CPC/1973.
Além disso, antes da citação,
a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada
ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu (art. 63, § 3.º, do CPC/2015).
Para o presente
autor, a última
solução apresentada pelo Estatuto Processual emergente, quando confrontada com o antigo art. 112, parágrafo único do CPC/1973,
não é das melhores, estando aqui o citado retrocesso.
Isso porque a abusividade da cláusula de eleição de foro, por envolver ordem pública – a tutela do aderente como vulnerável contratual –, não deveria
gerar a mera ineficácia do ato, mas a sua nulidade absoluta.
De toda a sorte, cabe ao legislador fazer tal opção, devendo a norma ser respeitada.
Por fim, como novidade decorrente
da última alteração,
o Novo CPC passou a
dispor que, citado o réu, incumbe a
ele alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão (art.
63, § 4.º). Mais uma vez, sendo
o caso de nulidade, como no sistema
anterior, não seria viável a preclusão. Porém,
como o legislador fez a infeliz opção pela
ineficácia da cláusula,
a preclusão deve ser aceita e considerada, para os devidos
fins práticos.
Encerrada essa pertinente análise, bem como o estudo
do domicílio da pessoa natural,
passa-se ao último
tópico do capítulo, analisando as regras atinentes
à cessação da personalidade, a morte da pessoa natural.
Trecho retirado do livro curso de direito civil de Flávio Tartuce
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