OS PRINCÍPIOS DO CÓDIGO CIVIL
O próprio Miguel Reale não se cansava em apontar os princípios
ou regramentos básicos
que sustentam a atual codificação privada: eticidade, socialidade e operabilidade. O estudo de tais princípios
é fundamental para que se possa entender os novos institutos
que surgiram com a nossa nova lei privada. Passamos
então a apreciá-los.
O princípio da eticidade
O Código Civil de 2002 se distancia
do
tecnicismo
institucional
advindo
da
experiência
do
Direito
Romano, procurando, em vez de valorizar formalidades, reconhecer a participação dos valores éticos em todo o Direito Privado. Por isso muitas
vezes se percebe
a previsão de preceitos genéricos e cláusulas gerais,
sem a preocupação do encaixe
perfeito entre normas e fatos.
Ministro José Delgado, do Superior Tribunal
de Justiça, no sentido de que “o tipo de Ética buscado
pelo novo Código Civil é o defendido
pela corrente kantiana:
é o comportamento que confia no homem como um ser composto
por valores que o elevam
ao patamar de respeito pelo semelhante e de reflexo
de um estado de confiança nas relações desenvolvidas, quer negociais, quer não negociais. É, na expressão
kantiana, a certeza do dever cumprido, a tranquilidade da boa consciência”
(A ética…, Questões controvertidas…, 2003, p. 177). As palavras transcritas explicam mais uma vez porque
a equidade deve ser entendida
como fonte do Direito Civil e porque já estava superado o art. 127 do CPC/1973,
que ordenava ao juiz aplicar a equidade somente
nos casos expressamente previstos em lei. A afirmação
igualmente vale para o infeliz
art. 140, parágrafo único, do CPC/2015, que praticamente repetiu a regra anterior.
Em reforço, o atual Código Civil abandona
o excessivo rigor conceitual, possibilitando a criação de novos modelos jurídicos, a partir da interpretação
da norma diante de fatos e valores – melhor concepção da teoria tridimensional
do direito, concebida por Miguel Reale, introduzida na codificação material
em vários pontos.
Os juízes passam a ter, assim, uma amplitude
maior
de interpretação. Muitas vezes,
será
o aplicador da norma chamado
para
preencher
as
lacunas
fáticas
e
as
margens
de
interpretação
deixadas
pelas
cláusulas
gerais,
sempre lembrando da proteção da boa-fé, da tutela da confiança, da moral, da ética e dos bons costumes.
O princípio da eticidade
pode
ser
percebido
pela
leitura
de
vários
dispositivos
da
atual
codificação
privada. Inicialmente, nota-se
a valorização de condutas éticas,
de boa-fé objetiva
– aquela relacionada com a conduta de lealdade das partes negociais –, pelo conteúdo
da norma do art. 113 do CC/2002,
segundo o qual “os negócios
jurídicos devem ser interpretados conforme
a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Esse dispositivo repercute
profundamente nos contratos, mantendo relação direta com o princípio da função social dos contratos
e reconhecendo a função interpretativa da boa-fé objetiva.
Os dois princípios, da função social dos contratos
e da boa-fé objetiva, nesse dispositivo, estão em relação de simbiose. Por isso Miguel Reale chegou a
afirmar que o art. 113 do Código Civil seria um artigo-chave do Código Civil.
Para ele: “desdobrando-se essa norma em seus elementos constitutivos, verifica-se
que
ela
consagra
a
eleição
específica
dos negócios jurídicos como disciplina preferida para regulação genérica dos fatos jurídicos,
sendo fixadas, desde
logo, a eticidade de sua hermenêutica, em função da boa-fé, bem como a sua socialidade, ao se fazer alusão aos ‘usos do lugar de sua
celebração’”
(Um
artigo-chave…,
2005,
v.
1,
p.
240).
Por
certo,
os
negócios
jurídicos
devem
ser
interpretados conforme as condutas dos envolvidos e as diversidades regionais do nosso imenso Brasil.
Também na Parte Geral do Código Civil,
no tocante à simulação, prevê o art. 167, § 2.º, que estarão protegidos os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contratantes do negócio jurídico
simulado. O dispositivo consagra a inoponibilidade
do ato simulado diante
de terceiros de boa-fé, reconhecendo de forma indireta que a boa-fé
objetiva é preceito
de ordem pública,
eis que consegue vencer a nulidade absoluta
decorrente da simulação. O Enunciado n. 363 do CJF/STJ,
aprovado
na
IV Jornada de Direito Civil,
reconhece,
expressamente,
que
os
princípios
da
probidade
e
da confiança, anexos à boa-fé objetiva, são preceitos de ordem pública.
Na verdade, como se verá nesta obra, não é somente o ato simulado
que deve se curvar à boa-fé, mas também outros negócios jurídicos
considerados nulos.
O art. 187 do CC/2002 disciplina qual a
sanção para a pessoa que contraria
a boa-fé, o fim social ou econômico
de um instituto ou os bons costumes:
cometerá abuso de direito, assemelhado a ilícito. De acordo com o citado
dispositivo, “Também comete
ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Esse comando legal consagra a função de controle da boa-fé objetiva.
Ato contínuo, o art. 422 do Código
Privado valoriza a eticidade, prevendo
que a boa-fé deve integrar
a conclusão e a execução
do contrato. O art. 422 do CC traz, portanto,
a
função de integração
da boa-fé objetiva, reconhecida aqui como um
princípio
e sendo aplicada a todas as fases
contratuais:
fase
pré-contratual, fase contratual
e fase
pós-contratual, conforme os Enunciados
ns. 25 e 170,
aprovados nas
Jornadas de Direito Civil do
Conselho da Justiça
Federal
e do Superior Tribunal
de Justiça.
Como bem enfoca Miguel Reale “frequente é no Projeto
a referência à probidade e a boa-fé,
assim como à correção (‘corretezza’) ao contrário
do
que
ocorre
no
Código
vigente,
demasiado
parcimonioso
nessa
matéria,
como
se tudo pudesse ser regido por determinações de caráter estritamente jurídico” (Visão geral…,
Jus Navigandi…, Disponível em:
Sem prejuízo de outros dispositivos na codificação vigente,
que fazem menção
à boa-fé e à eticidade, não há dúvidas
Direito de Família (Volume 5).
Por fim,
aqui
cabe
fazer
mais
uma
nota
sobre
o
Novo
Código
de
Processo,
que
procurou
valorizar
a
boa-fé, especialmente a de natureza
objetiva, em vários de seus comandos. De início, o art. 5.º do Estatuto
Processual emergente prescreve que aquele que de qualquer forma participa
do processo deve comportar-se de acordo com a
boa-fé. Em complemento, há a previsão expressa a respeito
do
dever de cooperação processual, corolário
da
boa-fé
objetiva, enunciando o art. 6.º do CPC/2015
que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Essa colaboração também
é imposta
aos julgadores, vedando-se
as decisões-surpresa, uma vez que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do
qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”
(art. 10 do CPC/2015).
Em complemento, sem prejuízo de outros dispositivos instrumentais, o art. 489, § 3.º, do Novo CPC prescreve que a decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação
de todos os seus
elementos
e em conformidade
com
o princípio
da boa-fé. Como se nota, a boa-fé objetiva passa a ser elemento de interpretação das decisões como um todo, o que deve gerar um grande impacto na prática cível nos próximos
anos.
O princípio da socialidade
Por esse princípio, o Código Civil
de
2002
procura
superar
o
caráter
individualista
e
egoísta
que
imperava
na codificação anterior, valorizando
a palavra
nós, em detrimento da palavra eu.
Os
grandes
ícones
do
Direito
Privado recebem uma denotação
social:
a
família,
o
contrato,
a
propriedade,
a
posse,
a
responsabilidade
civil,
a
empresa,
o testamento.
Isso diante das inúmeras
modificações pelas quais passou a sociedade. Houve o incremento dos meios de comunicação, a valorização da dignidade humana e
da igualdade entre as pessoas, a
supremacia do afeto na família,
a estandartização ou padronização dos negócios e o surgimento da sociedade de consumo em massa, trazendo
uma nova realidade que atingiu
os alicerces de praticamente
todos os institutos privados. Desse modo, deverá
prevalecer o social sobre o individual, o coletivo sobre o particular.
Nessa nova realidade,
“dúvidas não há de que o Direito Civil em nossos dias é também marcado pela socialidade, pela situação
de suas regras no plano da vida comunitária. A relação entre
a dimensão individual
e a comunitária
do ser humano constitui
tema de debate que tem atravessado os séculos, desde, pelo menos, Aristóteles, constituindo, mais propriamente, um problema de filosofia política,
por isso devendo ser apanhado pelo Direito posto conforme
os valores da nossa – atual – experiência jurídica” (MARTINS-COSTA, Judith. O novo Código…,
Diretrizes teóricas…, 2002, p. 144).
A função social
da propriedade, nunca se pode esquecer, já estava prevista
na Constituição Federal
de 1988, em seu art. 5.º, XXII e XXIII, e no seu art. 170, III. Entendemos, em reforço, que o embrião da socialidade está no outrora
citado art. 5.º da Lei de Introdução, pelo qual o juiz, ao aplicar a norma, deve ser guiado pelo seu fim social e pelo bem comum (pacificação
social).
A função social dos contratos,
que merece um aprofundado estudo no Volume 3
da coleção, está tipificada em lei, prevendo o art. 421 do Código que “A liberdade
de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Trata-se de um princípio
contratual
de
ordem
pública,
pelo
qual
o
contrato
deve
ser,
necessariamente, visualizado e interpretado de acordo com o contexto
da sociedade (TARTUCE,
Flávio. Função social…, 2007, p. 415).
A função social dos contratos
tem eficácia interna, entre as partes contratantes; e eficácia externa, para além das partes contratantes. Esse princípio, sem dúvidas,
também
tem fundamento constitucional, particularmente
na citada função
social da propriedade, como apontado naquela
outra obra nossa,
para a qual remetemos o leitor. Anote-se
que o Código Civil Brasileiro é o único no mundo a
relacionar a autonomia privada
à função social do contrato, residindo
no preenchimento do conceito o maior desafio do contratualista brasileiro do Século XXI.
Mesmo a posse
recebe uma função
social, uma vez que o atual Código Civil estabelece a diminuição dos prazos de usucapião quando
estiver configurada a posse-trabalho, situação fática em que o possuidor despendeu
tempo e labor na ocupação
de um determinado imóvel. A nova codificação valoriza aquele que planta e colhe, o trabalho da pessoa natural,
do cidadão comum.
Tais regras podem ser captadas
pela leitura dos arts. 1.238, parágrafo único, e 1.242, parágrafo único, do CC/2002, que reduzem os prazos da usucapião
extraordinária e ordinária, para dez e cinco anos, respectivamente.
desapropriação judicial privada por posse-trabalho, conceito totalmente
inédito,
criação
brasileira,
da mente genial de Miguel Reale. Por esses comandos
legais,
o
proprietário
do
imóvel
pode
ser
privado
do
seu
domínio,
se
o
imóvel reivindicado consistir em uma extensa área, ocupada por um considerável número de pessoas, com posse ininterrupta e de boa-fé por mais de cinco anos, e essas pessoas tiverem realizado no imóvel obras consideradas pelo juiz como de relevante
interesse social e econômico. Em casos tais há o pagamento de uma justa indenização a favor do proprietário.
A propriedade também recebe a previsão legal de proteção
da sua função social, pelo que consta no art. 1.228, § 1.º, do CC. Mais do que a função social,
o dispositivo prevê a função socioambiental do domínio, não podendo o exercício do direito de propriedade gerar danos ao ambiente natural,
cultural ou artístico.
Além do contrato,
da posse e da propriedade, percebe-se que a empresa e a família,
cernes da vida em comunidade,
como não poderia deixar de ser, também têm função social, uma finalidade coletiva,
instrumentos principais que são para a vida fraterna do ser humano (direitos de terceira
geração ou dimensão). O direito sucessório também tem reconhecida a sua função
social, pelo que consta no seu art. 1.848, pelo qual, no testamento,
somente
será possível a instituição
de cláusula
de inalienabilidade, incomunicabilidade ou impenhorabilidade, havendo justa causa para
tanto.
A partir da ideia de função social,
aponte-se o tom crítico de Gustavo Tepedino
que, em comentários ao princípio
da socialidade, lembra que “há que se ler atentamente
o Código
Civil de 2002 na perspectiva civil-constitucional, para se atribuir não só às cláusulas gerais, aqui realçadas
por sua extraordinária importância no sistema, mas a
todo o corpo codificado, um significado coerente com as tábuas de valores do ordenamento, que pretende transformar efetivamente a realidade
a partir das relações jurídicas
privadas, segundo os ditames da solidariedade e da justiça social” (Crise…,
A
parte geral do novo
Código
Civil…,
2003,
p.
XXXIII).
Em
outras
palavras,
as
cláusulas
gerais
relativas
à
socialidade, particularmente a função social do contrato (art.
421) e da propriedade (art. 1.228,
§ 1.º), devem ser preenchidas com valores constitucionais.
Em resumo, aduz-se ao princípio
da socialidade um sentido amplo, atingindo praticamente todos os ramos do Direito Civil Contemporâneo. Nesse sentido,
no Volume 2 da presente
coleção, é apontada
a tendência de se reconhecer que mesmo a responsabilidade civil
tem
a
sua
função
social,
o
que
amplia
ainda
mais
a
aplicação
do
preceito
social (TARTUCE, Flávio. Direito civil…, 2016, v. 2).
O princípio da operabilidade
O Código Civil de 2002
segue
tendência
de
facilitar
a
interpretação
e
a
aplicação
dos
institutos
nele
previstos. Procurou-se assim
eliminar
as
dúvidas
que
imperavam
na
codificação
anterior,
fundada
em
exagerado
tecnicismo jurídico. Nesse ponto, visando
à facilitação, a operabilidade é denotada com o intuito
de simplicidade.
Como exemplo, pode ser citada a distinção
que agora consta
em relação aos institutos da prescrição e da decadência,
matéria que antes trazia grandes
dúvidas pela lei anterior, que era demasiadamente confusa. Facilitadas as previsões legais desses institutos pelo Código Civil de 2002, poderá o estudioso do direito entender
muito bem as distinções existentes e identificar com facilidade se determinado prazo é de prescrição ou de decadência (arts. 189 a 211 do CC/2002).
Conforme lembra Miguel Reale, no artigo aqui citado “pôs-se
termo a sinonímias que possam dar lugar a dúvidas,
fazendo-se, por exemplo,
distinção entre associação e sociedade, destinando-se aquela para indicar as entidades de fins não econômicos,
e esta para designar
as de objetivos econômicos. Não menos relevante é a resolução
de lançar
mão, sempre que necessário, de cláusulas gerais, como acontece nos casos em que se
exige probidade, boa-fé ou correção
(‘correttezza’) por parte do titular do direito, ou quando é impossível determinar com precisão
o alcance da regra jurídica.
É o que se dá, por exemplo,
na hipótese de fixação de aluguel manifestamente excessivo, arbitrado pelo locador e a ser pago pelo locatário que, findo o prazo de locação, deixar
de restituir a coisa, podendo
o juiz, a seu critério,
reduzi-lo (art.
575)” (Visão geral…,
Jus Navigandi…, Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718>. Acesso em:
30 dez. 2003).
Assim, além do sentido de simplicidade, a operabilidade tem o sentido
de efetividade do Direito
Civil, da construção
de um Direito Civil Concreto do ponto de vista prático
(concretude, conforme
Miguel Reale).
Neste ponto,
mantendo
relação
com a operabilidade,
encontra-se
uma das maiores
críticas
ao Código, aduzindo
alguns doutrinadores que a nova codificação cria juízes ditadores, eis que dá enorme margem
de interpretação para que o magistrado crie o direito. Vale deixar claro que na opinião deste autor, as críticas são infundadas. Muito ao contrário, o regime de cláusulas
gerais
é participativo, democrático, de colaboração
entre
todos
os
componentes
da
comunidade
jurídica.
Essa a outra face do princípio da operabilidade, a busca de um Direito
Civil concreto, efetivo,
baseado no sistema
de cláusulas gerais e em conceitos legais indeterminados – a operabilidade vista sob o prisma da efetividade, da concretude
ou concretitude (REALE, Miguel. Teoria..., 2003).
Na verdade, os dez anos iniciais do Código Civil revelaram não se tratar de um Código dos Juízes, mas de um Código de toda a comunidade
jurídica. Isso porque a tarefa
de preenchimento das cláusulas gerais
está sendo desempenhada não só pelos magistrados, mas também por advogados, procuradores, promotores de
justiça, professores, doutrinadores,
escritores, entre outros, em um regime democrático, de efetiva cooperação.
O mesmo deve ser dito em relação
ao Novo Código de Processo
Civil, que traz as cláusulas
gerais em vários de seus comandos. A novel legislação processual ainda reconhece expressamente a plena possibilidade de julgamento com base nas cláusulas
gerais e conceitos
legais indeterminados, exigindo a devida fundamentação
pelo julgador em casos tais. Nesse
contexto, o art. 11 do CPC/2015 preconiza
que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Mais à frente,
reafirme-se, ao tratar dos elementos
essenciais da sentença,
o § 1.º do art. 489 do CPC/2015 estabelece
que não se considera
fundamentada
qualquer
decisão judicial, seja
ela interlocutória, sentença
ou acórdão, que:
a) se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa
ou a questão decidida; b) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto
de sua incidência no caso; c) invocar motivos
que se prestariam a justificar
qualquer outra decisão;
d) não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar
a conclusão adotada
pelo julgador; e) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; f) deixar de seguir enunciado
de súmula, jurisprudência ou precedente invocado
pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a
superação do entendimento. Nota-se que a
norma menciona os conceitos legais indeterminados, mas é certo que muitos deles são também cláusulas
gerais.
O último dispositivo visa a afastar
o livre convencimento do juiz, sem o devido
fundamento. Acreditamos que esse comando poderá revolucionar
as
decisões
judiciais
no
País,
trazendo-lhes
balizas
mais
certas
e
seguras,
inclusive motivadas na doutrina. No entanto, o preceito também
poderá ser totalmente
desprezado pelos julgadores, inclusive pela ausência de sanção imediata.
Somente o tempo e a prática demonstrarão qual a amplitude
social da nova emergente.
Já foi dito que o atual Código Civil deve ser tratado como uma realidade.
Uma realidade inspirada
na melhor teoria do seu principal idealizador. Em vários preceitos
da codificação material
percebe-se transbordando a visão tridimensional do direito, conforme o tópico que será a seguir estudado.
Afastando tais
críticas, rebate o filósofo Reale
que “somente assim se realiza
o direito em sua concretude, sendo oportuno lembrar que a teoria do direito concreto, e não puramente
abstrato, encontra apoio de jurisconsultos do porte de Engisch, Betti, Larenz, Esser e muitos
outros, implicando maior participação decisória conferida aos magistrados. Como se vê, o que se objetiva
alcançar é o Direito em sua concreção, ou seja, em razão dos elementos de fato e de valor que devem
ser sempre levados
em conta na enunciação e na aplicação
da norma” (Visão
geral…, Jus Navigandi…, Disponível
em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718>.
Acesso em: 30 dez. 2003).
Porém, se assim é por regra,
por outro lado não se pode esquivar
das críticas contundentes realizadas por corrente
respeitável da doutrina, destacando-se Gustavo Tepedino
e Luiz Edson Fachin. Este último, por exemplo, justifica a sua crítica
ao Direito Civil nos seguintes
termos:
“A crítica ao Direito
Civil, sob essa visão, deve ser a introdução diferenciada a estatutos fundamentais, na explicitação de limites e possibilidades
que emergem da indisfarçável
crise do Direito
Privado.
É uma busca de respostas
que sai do conforto da armadura jurídica, atravessa o jardim das coisas e dos objetos
e alcança a praça que revela dramas
e interrogações na cronologia ideológica dos sistemas, uma teoria crítica
construindo um mundo diverso de ver. E aí, sem deixar de ser o que é, se reconhece
o ‘outro’ Direito Civil. E, se essa, proposta escala montanhas epistemológicas, voa em rotas mal percorridas e mergulha em águas turbulentas, não despreza as planícies, os caminhos bem torneados, muito menos o ‘flúmen’ tranquilo
da cognição adquirida. Crítica e ruptura
não abjuram, ‘tout court’, o legado, e nele reconhecem
raízes indispensáveis que cooperam para explicar o presente e que, na quebra, abrem portas para o futuro” (FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica…, 2003, p. 6).
De qualquer forma, como se verá, é possível
e até recomendável
compatibilizar
a teoria de Miguel
Reale
com
a tendência
de constitucionalização do Direito Civil, pelo preenchimento das cláusulas gerais com valores e
princípios constitucionais.
Partindo para a prática,
ilustrando, em matéria de Direito Contratual, o princípio da operabilidade, no sentido de simplicidade,
pode ser percebido pela previsão taxativa
e conceitual dos contratos em espécie, cujas previsões constam agora. O atual Código
Civil conceitua a compra e venda, a locação, a empreitada, a prestação de serviços, o transporte, o seguro, e assim sucessivamente. Todavia, acaba não conceituando o próprio instituto contrato, ao contrário do Código Civil Italiano, que o faz no seu art. 1.321. De acordo com essa norma, “il contratto è l’accordo di due o più parti
per costituire, regolare
o estinguere tra loro un rapporto
giuridico patrimoniale”. Em tradução livre, pela norma italiana, o contrato
é
o
acordo
de
duas
ou
mais
partes
para
constituir,
regular
ou
extinguir
entre
elas
uma
relação
jurídica patrimonial.
Interessante frisar, outrossim, que a intenção
de manter um Código Civil dividido em uma Parte Geral e uma Parte Especial mantém
relação com a operabilidade, no sentido de simplicidade, uma vez que tal organização facilita e muito o estudo dos institutos jurídicos, do ponto de vista metodológico.
Finalizando, deve
ficar
claro
que
a
operabilidade
pode
ser
concebida
sob
dois
prismas,
o
relacionado
com
a
simplicidade e o concebido dentro da efetividade/concretude.
Superado esse ponto, serão tecidos
alguns comentários sobre os fundamentos teóricos do Código
Civil de 2002, para uma melhor compreensão dos princípios vistos até aqui.
Trecho retirado do livro curso de direito civil de Flávio Tartuce
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