RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO PROVEDOR DE APLICAÇÕES DE INTERNET POR DANOS CAUSADOS POR TERCEIROS


RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO PROVEDOR DE APLICAÇÕES DE INTERNET POR DANOS CAUSADOS POR TERCEIROS





Art.  19 Com  o  intuito  de  assegurar  a  liberdade  de  expressão  e  impedir  a  censura,  o 
provedor  de  aplicações  de  internet  somente  poderá  ser responsabilizado civilmente por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as
providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado,
tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em
contrário.

§ 1° A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara
e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do
material.
§ 2° A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos
depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais
garantias previstas no art. 5° da Constituição Federal.
§ 3° As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados
na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a
indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser
apresentadas
perante os juizados especiais.
§ 4° O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3°, poderá antecipar, total ou parcialmente,
os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado
o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os
requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação.
I – DOUTRINA
Responsabilidade do Provedor de Aplicações por Opiniões de Terceiros. Muito se discutiu desde 2000
sobre a  responsabilidade dos provedores de conexão e de aplicação por fato ilícito cometido por
terceiro. As discussões foram alternando-se conforme o entendimento sobre a internet foi se
ampliando, bem como a forma que ela se desenvolveu desde então.
A internet entre 2000 a 2007 possuía uma forma totalmente diferente do que existe hoje. Os sites
não eram tão interativos e dinâmicos. Não existiam muitas redes sociais. Os conteúdos de vídeo e
áudio eram poucos, porque as redes não possuíam estrutura para gerar velocidade suficiente para se
realizar as transferências de arquivos. Aliás, a velocidade média de conexão por usuário era muito
mais baixa. Não havia possibilidade de telecomunicações para os serviços de maior interatividade e
conexões. O provedor de aplicações de internet tinha muito mais controle sobre os seus serviços,
até por conta dos dados trafegados em suas redes, que eram muito menores.1
Com o incremento e melhoria das conexões de internet, a partir de 2007, os serviços prestados
mudaram a forma como  a  internet  evoluiu.2   Pensa-se  em  internet  das  coisas  com 
transmissões  de  vídeos  e  áudio  em  quaisquer dispositivos, celulares, tablets e desktops. A
internet é basicamente social, conectando inúmeras pessoas no mundo inteiro e com alta capacidade
de processamento de dados.
Diante disso, não há como comparar que a responsabilidade do provedor seja a mesma ao longo de
todos esses anos. A essas mudanças, a doutrina e a jurisprudência claudicaram no entendimento
desses fenômenos. Não raro, inúmeras decisões foram tomadas ao arrepio da forma como a internet
funciona e se estrutura. Não dá para responsabilizar o Google por informações tratadas em seus
servidores, em face da alta capacidade de processamento e de dados trafegados. Mesmo em sítios
pequenos esse volume de dados torna inviável tais análises mais profundas
sobre todo o tráfego gerado nele.

Nesse sentido, vale a lição de Antônio Lago Júnior de que
“o serviço não será defeituoso, nem tampouco o provedor de acesso ou proprietário do site terá
faltado com seu dever de informação e segurança, se procurou diligenciar no sentido de se cercar de
todos os cuidados que a ciência da técnica poderia propiciar, para colocar à disposição um ambiente
o mais seguro possível ao seu cliente. Para efeito  de se  aferir  esse fato, deverá ser levada  em
consideração a  época em que ocorrer o  evento  danoso, principalmente em razão do rápido avanço da
tecnologia da informática”.3
A responsabilidade dos provedores de aplicações, de forma objetiva, inviabilizaria o direito de
expressão e traria
censura prévia aos conteúdos disponibilizados na internet. Nesse sentido, leciona Marcel Leonardi:

“Responsabilizar objetivamente qualquer provedor de serviços de Internet pelos atos de seus
usuários traria, como consequência imediata, o estabelecimento de políticas agressivas de censura
da conduta de tais usuários, configurando uma injusta limitação à privacidade e à liberdade de
expressão destes.”4
Assim, a adoção do critério de que o provedor somente será responsabilizado se, notificado
judicialmente, não
realizar as medidas necessárias determinadas dentro e nos limites do mandado judicial é o mais
correto. Nesse sentido, o Marco Civil estabeleceu que a responsabilidade civil do provedor de
aplicações inicia-se a partir do recebimento da ordem judicial, que, ao cumpri-la, afasta uma
possível responsabilização de ilícitos por terceiro.5
§ 1o
O Mandado Judicial e os Limites técnicos do Serviço do Provedor de Aplicações. Um dos principais
problemas que os provedores enfrentam direciona-se nos limites e nos procedimentos determinados em
um mandado judicial. Os pedidos feitos pelos advogados, não raramente, na petição inicial, são mal
formulados, porque não compreendem como funcionam os serviços oferecidos e a internet. Por outro
lado, as decisões judiciais, que determinam o cumprimento ao provedor de uma determinada retirada
de conteúdo, ignoram o funcionamento do serviço,  o  que  implicará,  positiva  ou  negativamente, 
sobre  o  seu  funcionamento  tecnológico,6  quem  são  os responsáveis pelo determinado serviço,
os procedimentos técnico jurídicos de implementação da medida, os direitos humanos dos investigados
e se a medida cumprirá a finalidade proposta.
As medidas judiciais, por vezes, confundem o que é um provedor de aplicações, com provedor de
conexões, com administrador do sistema autônomo e com empresa de telecomunicações. No modelo
jurídico estabelecido no Brasil, há uma confusão enorme sobre quem é o administrador do sistema
autônomo.7   Durante muito tempo, as empresas de telecomunicações obrigavam os usuários de internet
a contratarem um administrador de sistema autônomo e um provedor de conexões. Conforme já foi
analisado no art. 13, quem atribui o endereço IP é o administrador do sistema autônomo, que não
dizia ser o provedor de conexão de internet, por conta do que determinaria o art. 61 da Lei Geral
de Telecomunicações.8  Assim, o usuário de internet entrava com demanda contra o provedor de
conexão de internet, que não possuía os endereçamentos de IP para descobrir quem o acessou naquele
momento, que estava em posse do administrador do sistema autônomo. Para piorar a situação, a Anatel
determinava que a situação continuasse dessa forma.9   Como cumprir a determinação judicial que não
analisa detidamente o funcionamento técnico da internet? Como dar efetividade à atividade
jurisdicional?
Infelizmente,  o  Marco  Civil,  em  nenhum  momento,  adentrou  as  questões  de  telecomunicações
 que  são necessárias para a implementação e efetividade de decisões de internet.

Limites do Mandado Judicial. O mandado judicial emitido deve ser limitado pelas questões técnicas e
também pelas normas jurídicas, principalmente pelos direitos fundamentais envolvidos nas relações
de internet. Não pode um mandado  judicial,  a  título  de  investigação  de  um  ilícito, 
perpetuar  uma  ofensa  aos  direitos  fundamentais  do investigado. Para tanto, o mandado judicial
deve estar pautado na finalidade da persecução investigativa, nos limites
técnicos dos serviços fornecidos pelo provedor e nos direitos fundamentais dos usuários.

Um mandado judicial tem de construir uma moldura investigativa que seja clara e transparente. Um
mandado
não pode ampliar o seu núcleo investigatório sem justificar o porquê. A busca de um pedófilo na
internet não autoriza ao magistrado investigar todo o HD de um dispositivo informático ou um
serviço de cloud computing. O núcleo da norma penal são os dados relativos a imagem ou vídeo.
Outras extensões, se por acaso existirem, e que atendam a esse núcleo, deverão ser justificadas a
fim de serem retiradas ou guardadas.
Um mandado judicial não pode requerer serviços que não são daquele provedor de aplicações. Não pode
o juiz pedir ao Google, por exemplo, determinar a retirada de conteúdos que estão no Facebook.
E um mandado judicial não pode determinar que direitos fundamentais sejam restringidos. Um usuário
investigado por suposto crime de pedofilia não pode ter os seus dados sigilosos profissionais, se
ele no caso for um advogado, inseridos no mandado judicial, a não ser que existam provas cabais nos
autos que ele se utilizava de sua profissão para tanto. Não pode o mandado judicial requerer fotos
e vídeos de quem está sendo investigado por abuso de liberdade de expressão. A esses três elementos
limitadores do mandado judicial, denominei Teoria de Shylock.

Teoria de Shylock. Shylock é um judeu agiota da história de William Shakespeare O mercador de
Veneza. Antonio, um grande comerciante veneziano, toma dinheiro emprestado de Shylock e promete
pagar num determinado dia. Por força maior, o carregamento de produtos de Antonio afunda no
Mediterrâneo e Antônio não consegue pagar a dívida com Shylock. Este, que possuía um ódio muito
grande contra Antônio, em vez de cobrar juros do descumprimento, requereu, por contrato, o coração
de Antônio. Este tentou contra argumentar essa cláusula, no que foi rechaçado por Shylock, que quis
executar o contrato.
O caso foi para o Judiciário. Àquela época era permitido esse tipo de cláusula penal, que podia ser
executada via judiciário. Depois de inúmeros debates, Shylock, quase conseguindo o cumprimento da
obrigação, foi enfrentado pelo juiz da sentença. Argumentou o magistrado que, se fosse executado o
contrato, este teria que cumpri-lo à risca e dentro dos limites impostos pela letra, que assegurava
o seu direito. Assim, decidiu o juiz da causa:

“Um momentinho, apenas. Há mais alguma coisa. Pela letra, a sangue jus não tens, nem uma gota. São
palavras expressas: ‘uma libra de carne. Tira, pois, o combinado: tua libra de carne. Mas se acaso
derramares, no instante de a cortares, uma gota que seja, só, de sangue cristão, teus bens e tuas
terras todas, pelas leis de Veneza, para o Estado passarão por direito’.”
O sangue não estava escrito no contrato como multa pelo descumprimento, somente o coração. Assim, a
letra da
lei, que foi o acordo entre as partes, não poderia ser descumprida com o derramamento de sangue,
que não estava inscrito nela. O sangue, simbólica e juridicamente, era o excesso da execução do
detentor do direito. E esse excesso deve ser restringido e coibido, como o foi na peça.
Assim, o caso literário de Shakespeare, conceitualmente, aplica-se a todos os casos de pedidos
judiciais, pois, desde o pedido inicial até o cumprimento do mandado, em toda a cadeia
procedimental que leva até a obtenção da prova, de forma lícita, os envolvidos deverão realizar as
práticas que respeitem este binômio: melhores práticas técnicas e respeito aos direitos humanos
fundamentais. Portanto, o mandado judicial que não respeita estes limites não implementa o
princípio da dignidade humana inserto no art. 1o, inc. III, da CF de 1988.
§ 2o
Infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica. O Marco
Civil colocou à parte de seus objetivos os direitos de autor e conexos, o que é reforçado pelo art.
31.10   Essa escolha do legislador implica no surgimento de duas ordens jurídicas diversas que
podem inviabilizar os princípios e valores que são estipulados no Marco Civil.
Os direitos autorais brasileiros são um dos mais restritivos do mundo.11 O Marco Civil tem como uma
das principais funções diminuir o fosso entre os usuários e o acesso à informação e à produção do
conhecimento. Com essa separação, o fosso não diminuirá jamais, pois os usuários continuarão a ser
impedidos de terem acessos aos
conteúdos protegidos por direitos autorais, que protegem os detentores dos direitos autorais em
detrimento daqueles
que deveriam ser os seus destinatários, os usuários, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico da sociedade. O coordenador da Consumers International, o
australiano Jeremy Malcolm, em entrevista, aponta o problema mais grave de leis de direitos
autorais restritivas: “Assim comprovamos que a proteção demasiada não está relacionada a metas de
desenvolvimento do país nem há preocupação com maior acesso da população pobre a bens culturais.”12
O Marco Civil, ao admitir o funcionamento em apartado das legislações de propriedade intelectual,
sem atender as finalidades sociais que visa trazer para o âmbito de internet, descaminha os seus
usuários a um limbo jurídico que restringe as possibilidades de apropriação dos direitos e da
ferramenta, além de não assegurar seus direitos fundamentais. Mesmo que ressalte que as leis de
direitos autorais devam resguardar a liberdade de expressão e outros direitos constitucionalmente
garantidos, não significa que eles de fato serão efetivamente defendidos. Eles já existem
anteriormente à legislação de direitos autorais que os ignora solenemente. Na prática, esse § 2o  
põe o usuário de internet a nu, sem quaisquer proteções, pois como veremos, a legislação de
direitos autorais possui um sistema de funcionamento diferente do que é estipulado no Marco Civil





Trecho retirado do livro Marco Civil da Internet Comentado de Victor Hugo Pereira Gonçalves
Para ler mais sobre este assunto: Clique Aqui !

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