Da emancipação
A emancipação pode ser conceituada como sendo o ato jurídico
que antecipa os efeitos da aquisição da maioridade, e da consequente capacidade civil plena, para data anterior àquela em que o menor atinge a idade de 18 anos, para fins civis. Com a emancipação, o menor deixa
de ser incapaz e passa a ser capaz para os limites
do Direito Privado. Deve ser esclarecido, contudo,
que ele não deixa de ser menor.
Tanto isso é verdade que, conforme
o Enunciado n. 530, aprovado
na VI Jornada de Direito Civil, evento realizado em
2013, “A emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente”. Sendo assim, a título de exemplo,
um
menor
emancipado
não
pode
tirar
carteira
de
motorista,
entrar
em
locais
proibidos
para
crianças
e adolescentes ou ingerir bebidas
alcoólicas. Tais restrições
existem diante de consequências que surgem no campo penal,
e a emancipação somente envolve fins civis ou privados.
A emancipação, regra geral, é definitiva, irretratável e irrevogável. De toda sorte, conforme se depreende de enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, de novembro de 2011, a emancipação por concessão dos pais ou por sentença
do juiz está sujeita a desconstituição por vício de vontade (Enunciado
n. 397). Desse modo, é possível a sua anulação
por erro ou dolo, por exemplo.
Trata-se, geralmente,
de ato formal e solene, eis que o Código Civil de 2002 passou a exigir instrumento público, como regra, sendo certo que a codificação anterior possibilitava a emancipação por instrumento particular.
De acordo com o Código Civil, a emancipação poderá
ocorrer nas seguintes situações (art. 5.º, parágrafo único),
rol esse que é taxativo
(numerus clausus):
necessária a homologação perante
o juiz, eis que é concedida por instrumento público
e registrada no Cartório de Registro
Civil das Pessoas
Naturais. Para que ocorra a emancipação parental, o menor deve ter, no mínimo,
16 anos completos.
b) Emancipação judicial – por sentença do juiz, em casos, por exemplo, em que um dos pais não concordar
com a emancipação, contrariando
um a vontade do outro. A decisão judicial, por razões óbvias, afasta a
necessidade de escritura pública. Tanto a emancipação voluntária
quanto a judicial devem ser registradas no Registro Civil das pessoas naturais,
sob pena de não produzirem efeitos (art. 107, § 1.º, da Lei 6.015/1973 – LRP).
A emancipação legal, por outro lado, produz efeitos independentemente desse
registro, conforme aponta a doutrina (DINIZ, Maria Helena. Curso…, 2007, p. 194;
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil…,
2007, p. 110).
c) Emancipação
legal matrimonial – pelo casamento do menor. Consigne-se que a idade núbil tanto do homem quanto da mulher é de 16 anos (art. 1.517 do CC),
sendo possível o casamento do menor se houver autorização dos pais ou dos seus
representantes. O divórcio, a viuvez e a anulação do casamento não implicam no
retorno à incapacidade. No entanto, entende parte da doutrina que o casamento
nulo faz com que se retorne à situação de incapaz, sendo revogável em casos
tais a emancipação, o mesmo sendo dito quanto à inexistência do casamento. Para
outra corrente, como no caso de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, tratando-se de
nulidade e de anulabilidade do casamento, a emancipação persiste
apenas se o matrimônio for contraído de boa-fé
(hipótese de casamento putativo). Em situação contrária, retorna-se à
incapacidade (Novo…, 2003, v. I, p.
113). As duas correntes estão muito bem fundamentadas. A última delas segue o
entendimento de que o ato anulável também tem efeitos retroativos (ex
tunc), conforme será abordado mais adiante e com o qual se concorda.
d) Emancipação legal, por exercício
de emprego público
efetivo – segundo a doutrina,
a regra deve ser interpretada a incluir todos os
casos envolvendo cargos ou empregos públicos, desde que haja nomeação de forma
definitiva (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado…, 2005, p. 21). Estão afastadas, assim, as hipóteses
de serviços temporários ou de cargos comissionados.
e) Emancipação legal, por colação de grau em curso de ensino superior reconhecido – para tanto, deve ser o curso superior reconhecido, não sendo aplicável
à regra para o curso de magistério, antigo curso normal.
A presente situação torna-se cada vez mais difícil de ocorrer na prática.
f) Emancipação legal, por estabelecimento civil ou comercial
ou pela existência de relação
de emprego, obtendo
o menor as suas economias próprias,
visando
a
sua
subsistência
–
necessário que o menor tenha ao menos 16 anos, revelando
amadurecimento e experiência desenvolvida. No entanto, na
prática, há dificuldade para se provar tal economia
própria.
Em relação a essa última hipótese (art. 5.º, parágrafo único, V) e que constitui novidade, é preciso
aprofundar, por importante diálogo que surge com o Direito do Trabalho.
Para definir o que seja economia própria, José Affonso Dallegrave Neto aponta
que “há que se apoiar
em critério jurídico objetivo, qual seja
o art. 7.º, IV, da CF, que estabelece o salário mínimo como sendo
capaz
de
atender
à subsistência do trabalhador e de sua família” (Nulidade…, O impacto…, 2003, p. 111). O critério
legal pode parecer fantasioso, mas é o único existente, devendo ser seguido.
Mais especificamente, ensinam
Pablo Stolze Gagliano
e Rodolfo Pamplona
Filho que parece “razoável afirmar
que as normas da Consolidação das Leis do Trabalho e leis extravagantes anteriores à edição do CC/2002,
que limitam a manifestação de vontade do menor entre dezesseis e dezoito anos,
estejam tacitamente revogadas, uma vez que seria um contrassenso
imaginar que tal trabalhador teria alcançado
a maioridade civil – que lhe autoriza praticar
todos os atos jurídicos no meio social – mas não possa firmar, por exemplo, um Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho” (Novo…,
2003, v. I, p. 117).
Os doutrinadores referem-se, inicialmente, ao art. 439 da CLT segundo
o qual “é lícito ao menor firmar
recibo pelo pagamento de salário.
Tratando-se, porém, de rescisão do contrato de trabalho, é vedado ao menor de 18 (dezoito)
anos dar, sem assistência dos seus responsáveis legais, a quitação
ao empregador pelo recebimento da indenização que lhe for devida”.
Ainda
podem
ser
mencionados
o
art.
408
da
CLT,
que
permite
a
rescisão
do
contrato
de
trabalho
pelo responsável do menor em caso de prejuízos morais ou físicos
ao mesmo; e o art. 424 da CLT, que determina o afastamento do menor quando houver redução do seu tempo de repouso
ou de estudos, decisão esta que cabe aos seus responsáveis.
Entretanto, outra
corrente entende de forma diferente. José Affonso Dallegrave Neto, por exemplo,
opina que os referidos artigos da CLT não foram revogados ou atingidos pelo Código Civil de 2002. Primeiro, porque o Direito
Civil somente deve ser considerado fonte subsidiária do Direito do Trabalho (art. 8.º da CLT). Segundo,
porque os dispositivos
parágrafo único, V,
do CC “contempla uma situação
jurídica trabalhista que irradia efeitos apenas para os
atos civis” (Nulidade…, O impacto…, 2003, p. 112).
Pois bem, utilizando-se a tese do diálogo das fontes, é possível
conciliar
as duas leis (CC e CLT) na questão que envolve o menor empregado. Em suma, é possível um diálogo de complementaridade entre as duas normas.
Por regra, continua
sendo exigida a atuação do representante para firmar recibo pelo menor, aplicando-se também
os arts. 408 e 424 da CLT. Essa necessidade de atuação é descartada somente
nos casos em que o menor for emancipado, diante do fato de obter
economias
próprias
para
a
sua
subsistência
decorrentes
do
seu
trabalho.
Quanto
aos
dois dispositivos citados que visam a proteger
o menor empregado, continuam em vigor diante
da tutela do vulnerável que consta do Texto Maior (critério hierárquico).
Seguindo em parte essa tentativa
de diálogo, mencione-se o teor da Portaria MTE/SRT
n. 1, de 25 de maio de 2006, da Secretaria
de
Relações
do
Trabalho,
no
sentido
de
que
“Não
é
necessária
a
assistência
por
responsável
legal,
na homologação da rescisão contratual, ao empregado adolescente que comprove
ter sido emancipado”. Como se pode perceber, a portaria se refere ao art. 439 da CLT, aqui transcrito.
Superado esse
ponto controvertido, no que concerne à influência da redução da maioridade
civil em relação
ao Direito
Previdenciário, deve ser acatado o teor do Enunciado n. 3 do CJF/STJ, aprovado
na I Jornada de Direito Civil, pelo qual “A redução do limite etário para a definição da capacidade civil aos 18 anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei
8.213/1991, que regula específica
situação de dependência econômica para fins previdenciários e outras situações
similares de proteção,
previstas em legislação
especial”. O dispositivo legal referenciado pelo enunciado doutrinário tem a seguinte redação: “Art. 16. São beneficiários do Regime
Geral de Previdência Social,
na condição de dependentes do segurado: o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição,
menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido
ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz,
assim declarado judicialmente”.
Como a referida
lei é norma especial anterior, acaba prevalecendo sobre o Código Civil, que é norma geral posterior
(antinomia de segundo grau aparente, envolvendo os critérios
cronológico e da especialidade, prevalecendo o último). Consigne-se que o entendimento de prevalência da norma previdenciária sobre a civil é amplamente aplicado pela jurisprudência nacional (por todos: TJMG, Apelação Cível 9549455-28.2008.8.13.0024,
Belo Horizonte, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Fernando
Botelho, j. 24.06.2010, DJEMG 23.09.2010 e TJSP, Apelação
994.08.205612-4, Acórdão 4468873,
Campinas, 7.ª Câmara de Direito Público C, Rel. Des. Aléssio Martins Gonçalves, j. 30.04.2010, DJESP 31.05.2010).
A encerrar a presente seção, concorda-se totalmente com a professora Maria Helena Diniz, quando aponta ainda estar vigente a emancipação legal do menor militar, que possui 17 anos e que esteja prestando tal serviço, nos termos do art. 73 da Lei 4.375/1964, reproduzido pelo art. 239 do Decreto 57.654/1966 (Curso…, 2002, v. 1, p. 179).
Trecho retirado do livro curso de direito civil de Flávio Tartuce
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